Eu até pensei em dar uma nota um pouco mais baixa para este episódio, porque, convenhamos, o ritmo está acelerado a ponto de ser notável até mesmo para quem nunca leu o livro. Mas o que salva essa adaptação é como ela acerta nos pequenos momentos. Matthew percebendo que Anne é a única garota sem mangas bufantes e tentando resolver isso, a implicância de Josie Pye (mesmo quase ausente na série, sua antipatia é imediatamente compreensível), a energia contagiante da Srta. Stacy… Existe um carinho muito evidente pelo material original, e isso vale muito. Mesmo que algumas mudanças não me agradem completamente, não posso deixar de valorizar a atenção aos detalhes.
Este episódio adapta os capítulos doze ao quinze do romance. Curiosamente, ele menciona, mas pula, uma das tramas mais conhecidas: Anne misturando linimento ao invés de baunilha no bolo. Uma pena, já que é uma das trapalhadas mais memoráveis dela. Porém, faz sentido dentro da proposta da série, que tem evitado os elementos mais religiosos do livro. Em vez disso, o episódio foca em uma cena mais emocionante: a famosa travessura de Anne no telhado, que, inclusive, me inspirou a tentar algo parecido (felizmente, em um telhado bem mais baixo e com o mesmo resultado atrapalhado).
Outro ponto que gostei muito foi a forma como Ruby, Jane e Diana correm para ajudar Anne após o acidente, enquanto Josie Pye simplesmente ignora a situação. Mesmo sem muito tempo de tela, já entendemos perfeitamente quem é quem entre as amigas. Confesso que não sou fã da forma como Josie foi representada visualmente aqui, já que reforça estereótipos antigos que poderiam ser evitados, apesar de ser fiel à descrição de Montgomery no livro.
Matthew e o gesto que diz tudo
Enquanto todos esses eventos acontecem, é Matthew quem realmente rouba a cena. Geralmente discreto, ele raramente fala muito ou explica suas ações. Na semana passada, ele saiu silenciosamente e Anne logo percebeu que ele havia ido buscar um médico. Agora, ele não só tenta comprar um vestido com mangas bufantes para Anne como também busca a ajuda de Rachel Lynde, sabendo que Marilla poderia resistir à ideia. Esse gesto vai muito além de dar um simples vestido: é uma prova do amor e da compreensão profunda que Matthew tem por Anne. E é emocionante ver como isso é recíproco, principalmente quando Anne entra em pânico por não encontrar Matthew e Marilla na plateia do concerto de Natal.
Pequenos detalhes que fazem grande diferença
A escolha do poema para a recitação de Anne também merece destaque. Ela declama “To the River Otter”, escrito por Samuel Taylor Coleridge em 1793 — um poema nostálgico que fala sobre as memórias da infância. Escolher esse texto enquanto usa seu primeiro vestido longo é um símbolo claro de que Anne está crescendo. Inclusive, a série mostra muito bem essa transição, principalmente na maneira como a Srta. Stacy interage com seus alunos. Sua energia juvenil e a forma como compreende os estudantes revelam que sua diferença de idade em relação a Anne não é tão grande assim.
Ah, e vale mencionar que o livro citado no episódio, escrito por uma tal Sra. Morgan, é fictício, mas provavelmente faz referência a autoras reais como Mrs. L. T. Meade e Nora Perry, conhecidas por escreverem ficção juvenil com termos como “rosebud” em suas histórias.
Conclusão
Anne Shirley pode não ser uma adaptação perfeita, mas demonstra claramente que seu coração está no lugar certo. Os personagens continuam crescendo, e as pequenas mudanças, ainda que discutíveis, mostram um cuidado admirável com a essência da obra. Até mesmo Gilbert, que mal está conseguindo avançar em seu relacionamento com Anne, faz parte desse amadurecimento. Com a menção de Marilla sobre enviar Anne para a Queen’s Academy, já dá para sentir que grandes mudanças estão por vir.
Se você ainda não viu nossa análise do episódio anterior, recomendo dar uma olhada em Anne Shirley Episódio 4: Amizade e Superação e também relembrar o episódio da lousa quebrada que marcou o início da rivalidade (e algo mais?) com Gilbert.