Minha irmã jura que, se eu não apontasse as omissões da série, ela nem perceberia. Ainda assim continuo meio cético. Quem não gosta do Davy pode ficar tranquilo: grande parte do que foi cortado na segunda metade de Anne of Avonlea gira em torno dele e do fazendeiro rabugento com o papagaio, que quase sumiu. Entendo a lógica: é preciso encerrar Avonlea para chegar logo a Anne of the Island, livro que parece ser o queridinho dos roteiristas. A julgar pelo ritmo, semana que vem termina o segundo romance de Montgomery e o restante da temporada mergulhará no terceiro. Fico com sentimentos mistos.
Ao menos os capítulos de Miss Lavendar Lewis estão sendo tratados com carinho. Lavendar é o ideal platônico de heroína trágica da Anne, algo que a arte escancara sem pudor. Ela deve ter quarenta e poucos anos, mas desfila pelo casarão decadente, porém elegante, usando vestido de setenta anos atrás, cabelo solto, luvas longas, saia arrastando no chão. Ela e a criada arrumam chás para visitas que não virão e Lavendar cultiva a lembrança do noivo que dispensou vinte e cinco anos antes. É como se Miss Havisham entrasse num romance sentimental de Mrs. E. D. E. N. Southworth. Não tem como a Anne ficar longe.
O encontro de Anne com esse ideal romântico serve para mostrar o quanto nossa protagonista cresce. Mesmo ignorando que ela não sofre com o romance florescente de Diana e Fred, fica claro que Anne não mergulha na tragédia de Lavendar como faria no tempo dos contos sobre Geraldine. Ela entende a solidão da moça de um jeito que não seria possível antes da morte do Matthew e enxerga na história dela o motivo de ter ficado em Green Gables com Marilla em vez de ir para a faculdade. Solidão não tem nada de poético.
Isso transparece quando Diana testa, com todo cuidado, as chances de Gilbert com Anne. Ela é rápida e firme ao negar qualquer sentimento romântico, mas, no fundo, pensa na situação de Lavendar e no pai do Paul. Marilla vive bem como solteirona e Rachel Lynde cuida do marido doente — algo que antes pareceria romântico, mas que agora Anne sabe ser exaustivo. Ao mesmo tempo, ela não quer terminar como Lavendar, remoendo um erro durante vinte e cinco anos. Crescer é isso, diante dos nossos olhos, mesmo que o roteiro sacrifique o cotidiano avonleano para ressaltar essa virada.