Anne Shirley – Episódio 14: o charme melancólico de Miss Lavendar

Minha irmã jura que, se eu não apontasse as omissões da série, ela nem perceberia. Ainda assim continuo meio cético. Quem não gosta do Davy pode ficar tranquilo: grande parte do que foi cortado na segunda metade de Anne of Avonlea gira em torno dele e do fazendeiro rabugento com o papagaio, que quase sumiu. Entendo a lógica: é preciso encerrar Avonlea para chegar logo a Anne of the Island, livro que parece ser o queridinho dos roteiristas. A julgar pelo ritmo, semana que vem termina o segundo romance de Montgomery e o restante da temporada mergulhará no terceiro. Fico com sentimentos mistos.

Ao menos os capítulos de Miss Lavendar Lewis estão sendo tratados com carinho. Lavendar é o ideal platônico de heroína trágica da Anne, algo que a arte escancara sem pudor. Ela deve ter quarenta e poucos anos, mas desfila pelo casarão decadente, porém elegante, usando vestido de setenta anos atrás, cabelo solto, luvas longas, saia arrastando no chão. Ela e a criada arrumam chás para visitas que não virão e Lavendar cultiva a lembrança do noivo que dispensou vinte e cinco anos antes. É como se Miss Havisham entrasse num romance sentimental de Mrs. E. D. E. N. Southworth. Não tem como a Anne ficar longe.

O encontro de Anne com esse ideal romântico serve para mostrar o quanto nossa protagonista cresce. Mesmo ignorando que ela não sofre com o romance florescente de Diana e Fred, fica claro que Anne não mergulha na tragédia de Lavendar como faria no tempo dos contos sobre Geraldine. Ela entende a solidão da moça de um jeito que não seria possível antes da morte do Matthew e enxerga na história dela o motivo de ter ficado em Green Gables com Marilla em vez de ir para a faculdade. Solidão não tem nada de poético.

Isso transparece quando Diana testa, com todo cuidado, as chances de Gilbert com Anne. Ela é rápida e firme ao negar qualquer sentimento romântico, mas, no fundo, pensa na situação de Lavendar e no pai do Paul. Marilla vive bem como solteirona e Rachel Lynde cuida do marido doente — algo que antes pareceria romântico, mas que agora Anne sabe ser exaustivo. Ao mesmo tempo, ela não quer terminar como Lavendar, remoendo um erro durante vinte e cinco anos. Crescer é isso, diante dos nossos olhos, mesmo que o roteiro sacrifique o cotidiano avonleano para ressaltar essa virada.

Veja também

Postagem Anterior Próxima Postagem