Não é exagero nenhum dizer que este episódio de Apocalypse Hotel está entre os melhores do ano — talvez o meu favorito até agora. É uma meditação paciente, silenciosa e delicada sobre a persistência da existência, e completamente diferente de tudo que vimos antes na série. A confiança dos criadores em nos transportar para esse mundo sem diálogos grotões é de encher os olhos.
O passeio de Yachiyo pela Ginza silenciosa
Logo no início há quase nenhuma fala: Yachiyo sai do alvoroço do hotel e caminha — sem nenhuma palavra — pelas ruas vazias da Ginza e arredores. A cidade em ruínas, com prédios despencando, letreiros envelhecidos e pachinkos corroídos, vira palco para o verdadeiro protagonista: a vida que brota em cada rachadura. Pássaros pousam em seu ombro, gambás correm ao seu lado, como se os humanos nunca tivessem existido para assustá-los.
A luta pela existência e a peça sobressalente
Enquanto isso, Yachiyo foge da foice da morte ao buscar uma peça de reposição num androide quebrado, quase um irmão de fio e parafuso. Cada folha de outono espalhada no chão lembra que seu tempo é finito — mas também realça que a morte dá valor ao sopro da vida. É o cerne da mensagem: Yachiyo vive, e essa afirmação vibra em cada frame.
O esplendor técnico em cada quadro
Não bancar o crítico frio aqui seria injustiça com os artistas: os animadores deram atenção exímia às expressões sutis de Yachiyo, enquanto o background painting mescla ferrugem e musgo em paisagens pós-apocalípticas de tirar o fôlego. A direção de Chengzhi Liao é um verdadeiro estudo de melancolia poética, e a composição de cores nos puxa para mais perto de cada detalhe. É um poema visual que dispensa o enredo e abraça as emoções primordiais.
O humor sutil que persiste
Mesmo na atmosfera solene, há espaço para o bom humor macabro de Ponko, preocupada mais com leis trabalhistas do que com existências humanas. E Yachiyo não consegue desligar o modo gerente nas horas de folga — passa o dia inteiro procurando a peça vital, um “descanso” tão absurdo quanto a forma como eu gasto minhas próprias horas livres. Sem falar nas clássicas caretas dela ao montar um estranho pegasus de carga. São sopros de leveza que equilibram o peso da reflexão.
O desfile de moda improvisado
Não dá para ignorar o capricho nos figurinos: aquele moletom “HAPPY” largadão no corpo de Yachiyo avisava que algo especial vinha aí. Cada look casual — sem ostentar — revela outra faceta de sua humanidade. Ela experimenta roupas, faz oferendas num templo em ruínas, toma goles de água da própria saliva espirrada e faz uma prece muda para um estranho. São “coisas tolas”, mas que definem a beleza de simplesmente existir.
Trilha sonora como alma do episódio
E se tem alguém que entende de trilha é Yoshiaki Fujisawa. Piano suave que guia Yachiyo por memórias, paisagens sonoras à la Brian Eno nas ruas vazias e aquele tema Disney-light no voo final de pegasus — tudo eleva o mergulho emocional. Sem a música, ainda seria lindo; com ela, o impacto é visceral.
Em resumo: este é um daqueles episódios em que basta apertar “play” e se deixar levar. É um brado poético que celebra o caos da vida, do felino ao pegasus, do ferrugem ao musgo. Se o final não repetir a fórmula, será no mínimo digno de um adeus à altura desta sinfonia animada.